2018.07.03 – Estagiário que teve o contrato desvirtuado obtém reconhecimento do vínculo de emprego
O estágio realizado sem o cumprimento dos requisitos legais desvirtua sua finalidade e caracteriza um contrato de trabalho. A partir desse entendimento, a Segunda Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região – AM/RR (TRT11) reconheceu o vínculo de emprego entre um estagiário de ensino médio e a empresa Cinépolis Operadora de Cinemas do Brasil Ltda. durante o período de janeiro a junho de 2016.
Ainda passível de recurso, a decisão unânime de segunda instância acompanhou o voto da desembargadora relatora Joicilene Jeronimo Portela Freire, que deu provimento ao recurso do autor para reformar a sentença de origem.
Em decorrência, o reclamado foi condenado a pagar diferenças salariais entre o valor da bolsa e o salário da função efetivamente exercida, aviso prévio, férias proporcionais, 13ª salário proporcional e FGTS, além de recolher a contribuição previdenciária e anotar a carteira de trabalho do autor. Os desembargadores julgaram procedente, ainda, o pedido de aplicação da multa do artigo 477 da CLT equivalente a um mês de salário, a qual entenderam cabível porque o pagamento das verbas rescisórias será efetuado fora do prazo legal.
O autor ajuizou ação trabalhista em junho de 2017, alegando que trabalhou no Cinépolis do Shopping Ponta Negra, em Manaus (AM), durante um semestre e mediante pagamento de R$ 700 por mês, em uma relação de emprego disfarçada de estágio. Ele alegou que houve total desvirtuamento da Lei 11.788/2008, que dispõe sobre o estágio de estudantes, pois extrapolava a carga horária máxima permitida e desempenhava atividades como a venda de ingressos, o atendimento na lanchonete e a realização de serviços gerais sem qualquer acompanhamento didático-pedagógico.
Em sua peça de defesa, o Cinépolis alegou que o estágio do autor era de cunho facultativo, com a finalidade de “fornecer ao estagiário conhecimentos prático-teóricos imprescindíveis à inserção do estudante no mercado de trabalho”, o que teria sido feito em observância à legislação específica.
Descumprimento dos requisitos legais
Na sessão de julgamento, a desembargadora Joicilene Jeronimo Portela Freire abordou o conceito de estágio conforme o artigo 1º da Lei 11.788/2008 e explicou que se trata de ato educativo escolar supervisionado, de natureza obrigatória ou facultativa.
De acordo com a legislação, o estágio constitui relação triangular estabelecida entre a empresa concedente, o educando e a instituição de ensino. É obrigatório quando assim definido no projeto do curso, enquanto o facultativo é exercido de forma opcional pelo estudante.
A relatora explicou que o estágio tem natureza educacional complementar, exige matrícula e frequência regulares do educando, celebração de termo de compromisso, além de comprovação da compatibilidade entre as atividades previstas no termo de compromisso e as desempenhadas durante o contrato.
Ela acrescentou que o descumprimento de qualquer dos requisitos legais e de qualquer obrigação contida no termo de compromisso caracteriza vínculo empregatício do educando com a parte concedente do estágio para todos os fins da legislação trabalhista e previdenciária.
Ao analisar as provas, a magistrada entendeu que todos os requisitos obrigatórios determinados na legislação em vigor foram descumpridos. Nesse contexto, ela salientou que não foi comprovada a compatibilidade entre as atividades desenvolvidas pelo educando e as previstas no termo de compromisso, não houve designação de funcionário da empresa com formação ou experiência profissional na área de conhecimento do curso do estagiário para orientá-lo e supervisioná-lo, bem como não foi apresentado o contrato de estágio, peça indispensável nesse tipo excepcional de relação de trabalho.
“Logo, considerando que o descumprimento de qualquer dos três incisos caracteriza o vínculo de emprego entre o educando e a parte concedente, bem como o fato de que, no caso concreto, não um, mas todos os incisos do artigo 3º da Lei 11.788/2008 foram descumpridos, não há como afastar a pretensão obreira de ver reconhecido o vínculo empregatício”, argumentou.
Por fim, ela considerou que o estudante provou suas alegações quanto às atividades efetivamente exercidas conforme Atestado de Saúde Ocupacional (ASO) de admissão anexado aos autos. De acordo com o documento, ele foi contratado como auxiliar de serviços gerais, havendo inclusive referência a risco de exposição a produtos de limpeza.
Fonte: TRT-AM/RR