2018.10.16 – Empregado discriminado por ser homossexual será indenizado
Com a alegação de ter sofrido discriminação e preconceito em razão de sua orientação sexual, um ex-empregado de uma grande rede de lojas que atua no mercado mineiro procurou a Justiça do Trabalho, com o objetivo de receber da empresa indenização por danos morais. Ao examinar o caso, a juíza Tânia Mara Guimarães Pena, em sua atuação na 2ª Vara do Trabalho de Uberlândia, deu razão ao trabalhador. Pela prova testemunhal, a magistrada constatou que ele foi vítima de condutas claramente homofóbicas por parte dos superiores e dos colegas de trabalho, pois sofreu, de forma reiterada, humilhações e perseguições no local de trabalho. Para a juíza, a empresa tinha conhecimento dos fatos, mas nada fez para reprimir a forma preconceituosa e discriminatória com que o trabalhador era tratado. Na avaliação da magistrada, a empresa é responsável pelos prejuízos morais causados ao empregado, já que é obrigação do empregador zelar por um ambiente de trabalho saudável e seguro.
O empregado afirmou que, devido à sua orientação sexual, foi alvo de muita discriminação e preconceito no local de trabalho, sendo que seus colegas e superiores o apelidaram de “Marcrô”, numa “referência grotesca” ao personagem homossexual da novela global “Fina Estampa”.
Segundo o trabalhador, as brincadeiras e piadas eram constantes, mas ele sempre relevava para não criar atritos no local de trabalho, embora se sentisse cada vez mais constrangido e magoado com a situação. Acrescentou que, para piorar, o gerente da loja mudou o grito de guerra, usado todos os dias nas reuniões matinais. De “capim balançou, pau na preá” para “capim balançou, pau no “Marcrô”. Disse que até os empregados e gerentes das outras lojas da reclamada passaram a chamá-lo pelo apelido, fazendo isso até na frente dos clientes, o que o deixava imensamente constrangido.
Disse o trabalhador que, toda vez que mudava o gerente da loja, ele reclamava dessas “brincadeiras” com o seu nome, mas nenhuma atitude era tomada. Contou que após um estoquista se recusar a pegar um produto para ele duas vezes, levou o fato ao gerente, quando, então, numa reunião realizada para resolver a situação, o estoquista disse que tinha raiva dele “porque ele era veadinho, e veado tem é que apanhar na cara para virar homem”, em verdadeira atitude homofóbica, deixando-o em estado de choque por ter que ouvir tudo aquilo e não poder fazer nada. Contou que, no dia seguinte, ainda se sentindo muito envergonhado e humilhado, resolveu ir à delegacia e registrar um BO, tendo sido acompanhado pelo gerente da loja que lhe disse que era a única coisa que poderia fazer. Assim, não tendo outra opção, voltou a trabalhar com o estoquista, mas sempre com muito medo de ser agredido por ele.
Conforme alegou o trabalhador, outro fato que lhe causou muito constrangimento foi um desenho que fizeram no banheiro da loja com o seu apelido, apresentando até uma foto que, nas palavras da juíza, “dispensa maiores comentários”. “Novamente o gerente da loja foi completamente omisso, dizendo que não podia fazer nada, pois ele não sabia quem tinha feito o desenho”, contou. Por fim, o empregado falou que, quando o último gerente com quem trabalhou assumiu a loja, ele lhe falou que “respeitava a sua opção sexual, mas não a aceitava” e que, aos poucos, ele faria uma “faxina” na loja, o que era falado nas reuniões na frente de todos, sempre fazendo ameaças veladas a ele, até lhe dizer, certo dia, “que a empresa não precisava mais dos seus serviços, mas que não era nada pessoal”.
Essa a sequência de fatos deploráveis, contados pelo trabalhador e negados pela empresa, a qual afirmou que “jamais agiu de forma preconceituosa ou discriminatória, muito antes pelo contrário, sempre agindo estritamente dentro do bom senso, de boa educação e com respeito a qualquer tipo de raça, credo, cor e opção sexual”.
Alegações à parte, a prova testemunhal demonstrou que o empregado falava a verdade. Uma testemunha que trabalhou na mesma loja por quase seis anos confirmou o uso do apelido Marcrô e a alusão ao personagem global Crô. A testemunha contou que trabalhava como estoquista e que, certa ocasião, presenciou outro estoquista agredindo verbalmente o reclamante, dizendo que ele era “veado” e que “merecia apanhar por não ser homem”. Ela confirmou que o reclamante levou o fato ao conhecimento do gerente, o qual, aparentemente, não tomou nenhuma providência. A história do desenho pornográfico com o nome do empregado no banheiro também foi comprovada pela testemunha, como também as brincadeiras do gerente nas reuniões.
Para a juíza, o depoimento da testemunha não deixou qualquer dúvida de que a empresa tinha conhecimento do tratamento absurdo dispensado ao empregado no ambiente de trabalho e que não cuidava de reprimi-lo. Ao contrário, deixou prosseguirem as brincadeiras, inclusive na frente de clientes, causando constrangimentos de toda ordem ao reclamante. Inclusive, um dos gerentes foi testemunha dos fatos no boletim de ocorrência lavrado na delegacia. “Mas a empresa se omitiu e não assumiu posição firme diante do estoquista”, lamentou a juíza.
No entendimento da julgadora, é evidente que a omissão da empregadora contribuiu para a continuidade dos atos homofóbicos e das condutas discriminatórias que o empregado sofria de alguns colegas de trabalho e também dos gerentes.
Conforme pontuou magistrada não se pode pactuar com atitudes como as que atingiram o trabalhador. E fez um alerta: “Fechar os olhos para essas questões ou tentar minimizá-las é contribuir para que continuem ocorrendo injustificadas exclusões sociais, seja em virtude da raça, do sexo, da idade, da condição econômica, etc. Fazer de conta que o problema não existe é pactuar com o ilícito, é permitir que a cada dia e cada vez mais pessoas sejam atingidas em sua dignidade. Não podemos perder nossa capacidade de indignação diante de atos que importem violações do patrimônio moral de quem quer que seja”.
Sobre uma possível argumentação de que os atos discriminatórios contra o empregado não teriam sido praticados por representantes da empresa, a relatora esclareceu que se aplica, no caso, o artigo 932 do Código Civil, que excepciona o princípio da pessoalidade, estabelecendo a responsabilidade indireta pelo fato praticado por outro. No caso, além de existir a culpa da empresa no fato ocorrido (por omissão), sua responsabilidade não está vinculada ao autor material do dano (no caso, os demais empregados da ré que apelidaram o trabalhador, agrediram-no verbalmente e fizeram o desenho no banheiro), mas decorre do vínculo jurídico que mantinha com a vítima, ou seja, da sua condição de empregador, que implica no dever de guarda, custódia e vigilância quanto aos seus empregados.
Quanto ao valor da indenização, para a magistrada, não há como dimensionar o “tamanho” da ofensa sofrida, assim, a indenização deve corresponder a uma compensação justa ao empregado e a uma severa advertência à empresa. Ela acrescentou que a indenização deve minimizar a dor sentida pela vítima em seu patrimônio moral e um desestímulo a práticas que atentem contra a dignidade do trabalhador, ou seja, um meio pedagógico e punitivo para a ofensora. Por tudo isso, com base nos princípios da equidade, razoabilidade e proporcionalidade, ela deferiu ao empregado indenização por danos morais no valor de R$10.000,00. A condenação foi integralmente mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho.
Fonte: TRT-MG